MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
Procuradoria Regional Eleitoral em
Minas Gerais
Recurso Eleitoral nº 431-53.2016.6.13.0244
Parecer PRE/T/2016
Excelentíssimo Juiz Relator,
Egrégio Tribunal,
Trata-se de recursos interpostos de sentença que indeferiu registro
de candidatura impugnada em face do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, que prevê a
inelegibilidade dos que tiverem suas contas
relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por
irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa,
e por decisão irrecorrível do órgão competente.
O recorrente sustenta o caráter
opinativo do parecer do Tribunal de Contas da União. Afirma que o órgão
competente para julgamento das contas é a Câmara Municipal, nos termo do
Recurso Extraordinário nº 848.826 julgado recentemente pelo STF.
Contrarrazões foram apresentadas. É o relatório.
1. CONTAS DE CONVÊNIO.
Competência do TCU. Inaplicabilidade do RE 848.826/DF. Distinguishing.
Inteligência dos arts. 489, §1º, V e VI, c/c 927, §1º, do Novo CPC.
No RE 848.826/DF, o
STF firmou o entendimento no sentido de que o Tribunal de Contas, ao analisar
contas do Chefe do Executivo, sejam contas de governo, sejam contas de gestão,
exerce função auxiliar, sendo o julgamento realizado pela Câmara Municipal.
Com efeito, a técnica
de vinculação aos precedentes, pressupõe a verificação das mesmas
circunstâncias jurídico-materiais, de modo a legitimar a incidência do
precedente. Resultando da criteriosa técnica de confronto (distinguishing)
a constatação de que são distintas as circunstâncias fáticas e jurídicas, não
haverá espaço para a aplicação do precedente.
Diante disso, o novo diploma processual civil elencou como
causa de nulidade da sentença e do acórdão: (i) a falta de exposição de motivos
pelos quais o precedente se aplicaria ao caso (art. 489, §1º, V c/c 927, §1º) e
(ii) o afastamento de súmula, jurisprudência ou precedente sem demonstrar a
existência de distinção ou a superação do entendimento (art. 489, §1º, VI c/c
927, §1º).
Em outras palavras, a decisão judicial fundamentada (art. 93,
IX, da Constituição) não deve se furtar a explicar os motivos da aplicação de
um precedente, limitando-se a citar ementas (“ementismo”), nem pode afastar um
precedente sem o devido distinguishing ou sem a devida demonstração da
superação do precedente (overruling).
No mesmo sentido, MARINONI, ARENHART e MITIDIERO ensinam que:
Por essa razão, trabalhar com precedentes não
significa de modo nenhum simplesmente alinhar julgados – condensados ou não em
súmulas – sem individualizar as suas origens, os seus significados e a
pertinência que guardam com o caso concreto. Não se considera fundamentada a
decisão, portanto, que apenas finge aplicar precedentes, mas que na verdade não
patrocina efeitvo processo de identificação de razões e de demonstração da
pertinência da ratio decidendi com o caso concreto. Como refere o art.
489, §1º, V, CPC, é preciso identificar as razões determinantes das decisões e
a efetiva ligação com o caso concreto, demonstrando-se que esse se ajusta
àqueles fundamentos. Do contrário, não há que se falar em decisão fundamentada[1].
Nesse âmbito, fala-se
em distinguishing (art. 489, §1º, VI) “quando houver uma distinção
entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há
coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de
base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja
porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade
no caso em julgamento afasta o precedente[2]”.
[grifei]
O precedente só pode
ser aplicado após o distinguishing. O distinguishing é
absolutamente indispensável, pois a aplicação do precedente não é automática, é
necessário interpretá-la.
Pois bem. Os Tribunais
de Contas têm competência para fiscalizar e julgar as daqueles que
recebem dinheiro público repassado mediante convênio, acordo, ajuste ou
outro instrumento congênere (art. 71, VI, da Constituição da República),
que é o caso dos autos.
Ademais, a
adoção de tese contrária violaria o pacto federativo, previsto no art. 1° da
Carta Magna, haja vista que o controle externo dos recursos federais,
repassados pela União voluntariamente aos Municípios, com destinação específica
e vinculada por meio de convênio, passaria a ser exercido e decidido pelo Poder
Legislativo de ente municipal diverso, e não mais pelo Congresso Nacional com
auxílio do TCU.
Destarte, resta
evidente que o controle externo exercido sobre verbas federais repassadas
voluntariamente aos Municípios mediante convênio, acordo ou instrumentos
congêneres, mesmo quando geridos por prefeito, é exercido pelo Congresso
Nacional, por meio do Tribunal de Contas da União, e não pelas Câmaras
Municipais.
2. HIPÓTESE DE
INELEGIBILIDADE. Contas de Convênio. Irregularidade gravíssima e insanável. Não
comprovação da correta aplicação dos recursos.
A inelegibilidade em discussão requer: (i) rejeição de contas de agente
público; (ii) irregularidade insanável; (iii) ato doloso de improbidade
administrativa e (iv) decisão irrecorrível do órgão competente (TSE. RO
43081, Rel. Min. Gilmar Mendes, PSESS 27/11/14).
O candidato teve contas rejeitadas
pelo TCU, em processo de tomada de contas especial, em que se
apreciou a irregularidade na execução da verba federal repassada pelo
Convênio 752/2008, celebrado entre o Ministério do Turismo e o Município de
Santa Cruz de Salinas, que teve por objeto a realização da XVI Festa
Junina de Santa Cruz de Salinas.
De acordo com o Tribunal de Contas
da União, foram identificados os seguintes problemas na aplicação dos recursos
federais:
a)
empresas contratadas não estabelecidas nos endereços indicados nos contratos e
nos documentos fiscais;
b) existência de vínculos entre empresas
participantes de processos de aquisição;
c) realização de despesas anteriores à assinatura dos
termos de convênio;
d) ausência de comprovação quanto à efetiva
realização de eventos;
e) contratações de artistas por inexigibilidade, valendo-se de cartas de
exclusividade emitidas pelos empresários dos artistas substabelecendo essa
prerrogativa a terceiros, apenas para o dia do show;
f) apresentação, pelos convenentes, de cartas de
exclusividade para subsidiar contratações por inexigibilidade não reconhecidas pelos empresários dos artistas; e
g) ocorrência de promoção pessoal de autoridades no
material publicitário de divulgação e durante a realização de eventos.
Consequência, o recorrente foi
condenado ao pagamento de multa no valor de R$10.000,00 e à devolução ao
Tesouro Nacional do valor de R$100.000,00.
Em relação à irregularidade insanável que qualifique ato doloso
de improbidade administrativa, compete a esta Especializada apreciar
o que seria uma irregularidade insanável qualificadora de um ato doloso de
improbidade administrativa (TSE. AgR-RESpe 16813, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, Ac. de 5/8/14 e RO 72569, Relª. Minª. Maria Thereza, DJe de
27/3/15).
Assim, a irregularidade
insanável se trata de malversação de recursos públicos, com dano ao
erário, não de meras falhas contábeis (TSE. RESpe 3965643, Rel. Min.
Marcelo Ribeiro, DJe 10/6/10 e AgR-RESpe 56970, Relª. Minª. Laurita Vaz, PSESS
em 20/11/12). O gestor público tem a obrigação de receber o dinheiro público
e dar-lhe a destinação devida.
Tratando-se de rejeição de contas
por vício insanável, com efetivo prejuízo ao erário, por decisão irrecorrível
do TCU, inexistindo provimento suspensivo emanado do Judiciário, configura-se a
inelegibilidade (TRE/CE. RCAND 488063, Rel. Carlos Neves da Franca Neto,
PSESS 4/8/10. TRE/RN. RE 69690, Rel. Nilson Roberto Cavalcanti Neto,
PSESS 28/8/12).
Por
fim, “não se exige o dolo específico, basta para a sua configuração a
existência do dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o
administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais
que vinculam a sua atuação” (TSE. AgR-REspe 27374, Rel. Min. Henrique
Neves, j. 7/2/13) e, ainda “o mínimo exigível de um administrador público é
o conhecimento das normas que disciplinam, limitam e condicionam a sua atuação.
Ao afastar-se o gestor público da disciplina legal que impõe determinada
conduta, evidencia-se a vontade de obter um fim dissociado do interesse
público, circunstância a revelar, de forma inequívoca, a modalidade dolosa da
conduta” (TSE. RESpe 25986, Relª. Minª. Luciana Lóssio, PSESS 11/10/12).
3. CONCLUSÃO
Ante o exposto, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL
manifesta-se pelo conhecimento e não provimento do recurso
eleitoral.
[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. São
Paulo: RT, 2016, p. 578.
[2] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA,
Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 11ª ed.
Salvador: JusPodivm, 2016, p. 504.